Imagens levemente impossíveis: uma ação de educação midiática para crianças
Entre março e junho de 2023 integrei o grupo de facilitadores do programa de certificação online para educadores do Educamídia. O Educamídia é o programa de Educação Midiática no Brasil do qual faço parte, com muito orgulho, desde 2019.
Um dos principais objetivos do Educamídia é capacitar professores e engajar a sociedade no processo de educação midiática. Educação Midiática não é um conceito simples. É justamente por isso que surgiu a necessidade de se criar um programa especialmente voltado para esse tema no Brasil. Fora do Brasil a abordagem não é tão nova e atende pelo nome de letramento midiático ou media literacy.
Existe uma série de confusões a respeito do que é de fato educação midiática. Talvez a mais comum delas seja a crença de que educação midiática é o mesmo que combater fake news. Outra confusão bastante comum é acreditar que levar mídias pra dentro da sala de aula é fazer educação midiática. Por fim, mas não menos comum, há quem acredite que educação midiática é uma disciplina ou componente curricular que precisa urgentemente de uma espaço especial na grade curricular. Bem, educação midiática é tudo isso, mas não apenas isso.
Educação Midiática é o conjunto de habilidades que precisamos desenvolver para ler, escrever e criar criticamente os conteúdos que circulam no mundo. Por conteúdo eu entendo tudo aquilo que a gente usa para se comunicar de alguma forma com outras pessoas. É por isso que as mídias têm um papel de destaque na educação midiática. Se analisarmos direitinho, tem mídia por todos os lados; da etiqueta do seu laptop até o que você anda vendo nas múltiplas telas do mundo. Desenvolver essas habilidades requer estudo, principalmente baseado na prática, no aprender fazendo. E é por isso que é tão necessário conversar com educadores e educadoras sobre o tema.
Imagem: Educação Midiática | Educamídia (educamidia.org.br) |
Diante de um mundo de produção frenética de conteúdo como o atual, é urgente reconhecer que precisamos desenvolver melhor essas habilidades, tendo em vista que nos deixamos enganar por uma imagem gerada digitalmente por inteligência artificial — por sinal, muito mal executada — do ex-presidente dos Estados Unidos sendo preso. Andamos lendo tudo muito rapidamente, sem questionar suficientemente e sem investigar. Eu mesma caí na imagem do Papa Francisco usando um casaco da moda. Meu viés de confirmação quis muito que tivéssemos um Papa fashion, porém não foi dessa vez.
Se nós adultos somos facilmente conduzidos por algoritmos, imagina as crianças? Há quem acredite que as crianças de hoje nasçam sabendo. Existe até a expressão "nativos digitais" já questionada pelo próprio teórico que a criou. Receber com tranquilidade uma tecnologia em sua mão não significa saber o que fazer com ela e tampouco refletir e questionar o que se faz a partir dela. Esse é o grande desafio, estimular crianças e jovens a entender como funciona, a refletir e a questionar aquilo que veem/leem.
E as crianças?
Durante o curso do Educamídia uma das professoras cursistas me procurou com dificuldades para criar uma atividade de educação midiática para os seus alunos da educação infantil. A dificuldade dela passou a ser a minha também. A ideia apresentada aos professores no curso é a de que a educação midiática deve ser adicionada às aulas como uma camada que se conecta ao conteúdo com o qual o professor já trabalha. Um bom exemplo está na matemática: uma experiência de aprendizagem sobre gráficos se conecta à educação midiática se o professor trouxer para a aula casos em que gráficos são utilizados para manipular informações.
Depois de muitas conversas a professora criou um plano de aula sobre vídeos de brinquedos apresentados por crianças no YouTube. A ideia dela era conversar sobre a mensagem publicitária, muitas vezes não revelada, com as crianças. A aula aconteceu, ela conseguiu promover uma discussão e listou o que descobriu a partir das contribuições das crianças, mas não se sentiu muito segura para avançar na discussão ali e em outros momentos.
A insegurança dela carregava muito da minha. Fiquei por dias pensando em como trabalhar questões tão complexas como pensamento crítico com crianças muito pequenas, na faixa dos 6 anos de idade. Um desafio e tanto. Mesmo depois do fim do curso me peguei rascunhando ideias e apresentando a pais e familiares próximos que sempre me diziam: a criança pode não alcançar esse nível de complexidade que você está propondo. Revisando, eu concordava.
Aí pensei mais, porque é isso que faz a pessoa designer. Pensa e repensa o tempo todo. Num desses movimentos, comecei a listar o que realmente era necessário estimular no pensamento de uma criança e até onde ir. Foi quando voltei aos materiais do curso e me debrucei sobre a rotina de pensamento do Project Zero — Ver, Pensar, Imaginar — que é uma das mais usadas nas atividades do próprio Educamídia. A partir dela, entendi que fazer uma criança ver/ler um conteúdo mais de uma vez poderia ser suficiente para iniciar uma boa prática de educação midiática. A rotina de pensamento criada pelo projeto da Faculdade de Educação da Universidade de Harvad é uma matriz simples que estimula a pessoa a listar os elementos que vê em uma determinada imagem, aquilo que pensa sobre o que vê e aquilo que imagina que aconteceu ou pode acontecer a partir daquilo que vê.
Desse ponto em diante pensei em combinar essa rotina com as imagens de inteligência artificial que estava estudando e gerando. A ideia era gerar o que chamei de "imagens levemente impossíveis" e fazer com que as crianças realizassem o exercício de ler mais de uma vez. Para isso planejei uma apresentação em sequência, com 7 slides, como os carrosséis das redes sociais. Segui os passos da rotina através de uma pergunta simples como "consegue notar algo estranho na imagem a seguir?", seguida de uma provocação para ver novamente a imagem, uma revelação e um recado ao final da sequência. Testei nas redes sociais e o engajamento foi bem legal, principalmente no Instagram e no TikTok.
A ideia inicial foi pensada para crianças, por isso escolhi gerar artificialmente imagens mais simples. Comecei com animais e frutas e pretendo seguir nessa levada. Mas, como não sou professora da educação básica, estava faltando o principal: as crianças. Foi quando recebi uma mensagem da Viviane Zanardo, editora do Jornal da Criança, interessada em reproduzir a ideia no jornal e em um evento de educação midiática que acontecerá em outubro em São Paulo. Terei mais respostas sobre os resultados após essa data.
Este texto todo foi pra dizer que educação midiática e design têm mais pontos em comum do que podemos imaginar. Talvez o mais importante deles seja o incentivo a sempre olhar, pensar e tentar mais uma vez. Outro objetivo deste texto é deixar tudo organizadinho para que você, professor ou professora que chegou até aqui, considere testar essa ação aí com seus alunos. Tentei organizar para que você tenha o mínimo de trabalho na sequência a seguir.
Plano de aula: leitura de imagens levemente impossíveis
Objetivo:
Realizar diferentes leituras a partir de uma imagem, entendendo que sempre é preciso olhar mais uma vez e questionar tudo o que vê.
Recursos:
- Sequência de imagens Girafa Camelo
- Sequência de imagens Maçã Coração
- Sequência de imagens Rinoceronte Zebra
- Notas adesivas (post-it)
- Painel ou quadro para colagem das notas
- Datashow
- Internet
Ativando:
- Organize a sala em um círculo e distribua as notas adesivas.
- Comece a exibir para os estudantes uma das sequências de imagens que listamos nos recursos.
- Exiba a pergunta do slide 1 e siga para o segundo slide. Deixe o slide 2 na tela.
- Dê um tempo para que os estudantes escrevam o que notam de estranho na imagem nas notas adesivas.
- Peça para que levantem e colem a nota adesiva no painel. Faça a galerinha se mexer.
- Quando voltarem, exiba o slide 3 e avance para o 4 que mostra a imagem mais uma vez
- Dê mais tempo para mais anotações.
- Peça para que levantem novamente para colar as novas notas adesivas mais uma vez no painel. É importante passar a mensagem do ter que fazer novamente.
Desenvolvendo
- Inicie a leitura dos comentários e promova uma roda de conversa a partir do que está escrito em cada nota. Estimule a conversa perguntando o que acham sobre o comentário lido. Deixe a imagem do slide 4 sendo exibida na tela. Não revele de forma alguma que a imagem não é real, mesmo que o comentário apareça nas notas.
- Quando a leitura dos comentários acabar, exiba o slide 5 com a revelação de que aquela cena na verdade não existe porque foi gerada com inteligência artificial.
- Pergunte para os estudantes o que eles pensam depois da revelação e se eles conseguem saber apenas olhando a imagem quem é o autor, como fez e por que fez a imagem.
Fechando
- Avance para o slide 6 com mais duas cenas semelhantes geradas por IA da mesma forma.
- Forneça informações para os estudantes sobre como é fácil hoje em dia gerar o que quiser com inteligência artificial. Avance um pouquinho na discussão comentando como é simples criar uma mentira a partir de conteúdo gerado por IA.
- Avance para o slide 7 e encerre a discussão falando sobre a importância de sempre ler/observar uma informação mais de uma vez e investigar tudo o que vê.
Caso não tenha internet disponível, imprima os recursos a partir dos PDFs a seguir:
Até a próxima ideia! 😉
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